quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

NAMORO

 

Continuamos a namorar à noite nas janelas de muitas outras noites em pedaços pela madrugada tal e qual como ontem de muitas outras luas apreciadas.
 .

O tempo não está mau, amanhã não se trabalha e agora a noite está deliciosamente calma e dócil como nós, e assim mais um ano se passou depois do alvoroço da noite.
 

Encostados um ao outro saboreamos o fresco friozinho que se passeia pela pele e pelo rosto no silêncio embalador, cortado por um ou outro carro passageiro de foliões da passagem de ano, pelos sinos da torre e pelas ilusionistas gaivotas que dançam em carrossel no céu, ainda despertas de tanto folguedo cá de baixo, ora silenciosas ora barulhentas doidonas como nós, que bem entendemos estas manifestações de contentamento.
 

As ideias embrulham-se no pulsar calado do respirar e pensamentos soltos brotam livres em jorros difíceis de alinhar, dar-lhes forma inteligível de tão dispersos é tarefa árdua - é deixá-los correr. A noite tem esta magia.
 

Estas noites de festas de rodopios transbordantes onde o entusiasmo e alegria e barulheira são dominantes é saudável o pacífico de algum descontrolo.
 

Falamos das coisas da vida e no conseguido até agora, falamos das vitórias e mágoas, das alegrias e tristezas do ano... de planos para alguns projectos prioritários, e encolhemos os ombros para outras ideias ainda indefinidas num "vamos deixar passar mais algum tempo e ver no que dá", pois as incertezas são mais que as certezas actualmente.
 

O cheiro do corpo dela inebria-me, é relaxante mas intenso na excitabilidade e ela sabe-o e, os nossos corpos comungam a mesma vontade... mas ainda é cedo há gente acordada por perto.
 

No céu as mantas de nuvens imensas de vários tons cinza vão abrindo fendas onde os brilhos das estrelas jogam na teia da luminosidade dos reflexos que se tocam e entrelaçam-se e nós, jogamos também com as memórias e desejos nossos, são incitamentos, augúrios bons (talvez até revelações) intensos de emoções e presságios neste jogo cintilante das estrelas... os nossos olhos irradiam outros brilhos de satisfação por existirmos.
 

É limpo e sereno o tempo do nosso sentir, de corpos colados um ao outro vamos admirando o horizonte do casario encavalitado e do céu já bastante luzidio na tela estrelada, há alegria em nós.
 

Dei por mim a sussurrar, quase imperceptível, como se orasse ao ar e à companheira, em jeito de agradecimento e confidências anónimas que saem.
 

- Que mais hei-de dizer a mim próprio para valorizar a sorte que tenho que já não tenha dito vastíssimas vezes na mais pura franqueza aos que passam, aos amigos, às mulheres (ela sorriu), à família, até ao mar e às estrelas?
Por vezes tenho receio de não ter dito a mim próprio tudo que já disse na rua aos outros.
Há sentimentos e pensamentos e verdades que sabemos em nós mas nem sempre os admitimos como nossos e, não há asneira mais tamanha que falsearmos o que grita no mais íntimo das entranhas.
Acho que me esqueci até de ler as palmas das minhas mãos, devo ter muito de mim nelas mapeado, mas nem disso me lembrei.
 

Ela olhou-me sorrindo com os olhos cheios de brilhos e disse:
És um homem muito valioso e extraordinário, construíste esta família, este lar, e somos muito felizes por fazer parte de ti!... Nem sempre as coisas boas e  intensas podem prolongar-se pelo tempo que desejamos ao mesmo nível, há os altos e baixos naturais do viver.
 

 - Lembras-te de me escrever aquele texto da «menina das lágrimas»? Aquela parte... aquela parte muito viva em mim. Disse ela sorrindo apertando-se em mim.
 

"- Que procuras menina? - Procuro as minhas lágrimas de Alegria... estava tão contente e alegre que as deixei rolar pelo rosto e caíram ao chão e agora não as encontro.
- Não te preocupes com isso, as tuas lágrimas não desapareceram, mas sim, transformaram-se em sementes na terra para alimentar a fonte de alegria do mundo, que em outro lado qualquer vão desabrochar como outras formas de alegria - nas plantas, nas pessoas, nos rios e montanhas, em outras flores bonitas como tu.
Ao mesmo tempo gerou em ti outras, muitas outras lágrimas de alegria, vais ver quando te rires novamente muito, e as lágrimas voltarem a rolar pelo teu lindo rosto...".
 

Nem sempre a nossa alegria e amor está no apogeu mas nunca perdem a chama e intensidade com que se criaram... o deslumbre continua por menos faladoras possam estar.
 

- Novo ano!... É sim... novo ano juntinhos um com o outro!... As nossas bocas colaram-se!
 
Carlos Reis