terça-feira, 14 de agosto de 2007

Trajectos (Mortes Intrigantes)

Aos poucos as gentes da Serra da Labuta começaram a ficar bastante preocupadas com o aumento de mortes do gado, de galinhas e até de alguns cães e gatos.
Isto nunca antes tinha acontecido. – Ainda ontem um bezerro do Quim da quilha, lá de cima, foi encontrado morto, só ossos se viam, lá em baixo perto do pantanal. Dizia o Figueiras no café, à volta da mesa do dominó.
-Mas que raio se anda a passar por aqui? – Disse o Germano, com olhar aflito. Isto só pode ser coisa de animais desconhecidos da zona que apareceram por aqui famintos. –Ou então vândalos vindo das cidades, como já não lhes chegam os bares e discotecas vêm para aqui se divertir matando nossos animais, desabafou outro.
-Ó homem, já viu como apareceram os animais? Isto num é coisa de homens, é coisa do diabo! –acrescentou outro.
-Deixe-se disso compadre, está dizendo que isto é coisa de bruxarias? Olhe que não, aqui há coisa muito matreira e de grande malvadez feita por cabeças que sabem muito bem o que fazem. De bruxaria isto num tem nada!
Toda a tarde os homens incrédulos lá iam debitando seus pareceres a respeito de tão misteriosas matanças de animais.
E o que mais os espantava era a maneira como as carcaças se apresentavam: todas chupadinhas até ao osso!
Outra coisa intrigante com que se perguntavam era… que raio de animal, ou lá o que é, vem atacar cá em cima aos campos e quintais, arrastam as suas presas Serra abaixo, deixando trilhos bem evidentes, e devoram-nos lá em baixo nas margens do pantanal?
- Olhe que você agora pôs o dedo na ferida Figueiras, por que será que as carcaças vão todas aparecer lá em baixo no pantanal? – Disse o Germano sempre com aquele ar aflito e um pouco lunático.
-Para mim algo de muito estranho se passa perto daquelas águas pantanosas – afirmou o tio Gusto!
-Temos de marcar com urgência uma reunião com toda a gente da Serra, a polícia e os presidentes camarários. Isto assim não pode continuar, temos de desvendar este mistério e rapidamente, disse peremptório o Chico, dono do café.
Houve uma reunião, duas, seis reuniões e nada de conclusivo aconteceu. O marasmo e confusão era muita… toda a gente cheia de dúvidas, interrogações e suspeitas, começaram a ficar impacientes, nervosos, e alguns até em pânico… e não era para menos, o tempo ia passando e alguns animais morrendo perto do pantanal!
Resolveram chamar especialistas das grandes cidades, entendidos nos comportamentos dos animais conhecidos daquela zona. Detectives policiais foram contratados. Vigilantes nocturnos, uns contratados outros voluntários, juntaram-se para controlar as noites e tudo o que mexesse naquela Serra e pantanal.
Nunca viram nada nem se aperceberam de qualquer coisa especial… a não ser um som arrastado e contínuo, como algo de “corrido e rápido” na terra… algo que sentiam mas não viam!
O desespero alarmante começava a tomar conta daquela gente!
Um dia um jovem pastor entrou no café do Chico, e pausadamente mas com voz firme exclamou para todos os presentes… – Sei quem nos anda a matar os animais!... Ficaram todos espantados olhando o rapaz… - Quem???... Perguntaram em uníssono…
- São as formigas cegas do pantanal, brancas e grandes, que têm as suas colónias em túneis nas águas pantanosas!...
Depois desta revelação fizeram-se estudos e experiências e chegou-se à conclusão que estas formigas cegas, com tamanho muito acima do normal, atacavam e actuavam à noite pois não suportavam a luz do dia, nem das lanternas dos vigilantes, e neste caso deambulavam por túneis subterrâneos por debaixo da terra. E só atacavam os animais em grande silêncio e sem qualquer luz.
A outra conclusão a que chegaram foi de que, estas formigas eram uma metamorfose de químicos agrícolas usados nos campos de milho na Serra e campos à volta.
- E agora que vamos nós fazer? Perguntou um, e logo todos os outros repetiram a pergunta: - sim, que vamos nós fazer agora para as aniquilar para que não nos comam os animais?
- Nada!!! Para já nada, por que não conhecemos maneira de as matar e elas são aos milhões, e embora cegas são descomunalmente fortes e resistentes, e enquanto forem alimentadas pelos químicos dos milharais, não sabemos o que fazer! Disseram os técnicos.
- Vamos ficar de braços cruzados vendo as malditas formigas comer os nossos animais? E se mais tarde começarem atacar as pessoas?... Perguntaram enfurecidas as gentes!
-Tenho uma ideia, disse um dos técnicos. – Enquanto não for possível modificar os químicos agrícolas dos milharais, cada um dos Senhores com terras e animais à volta do pantanal, sacrificam um animal aqui em baixo no pantanal, por mês, para as manter longe das vossas quintas e animais!
Ninguém gostou desta ideia, mas lá anuíram… já que não conseguimos matá-las pelo menos mantemo-las ao largo!

No entanto, dois meses depois aquela gente da Serra ainda não estava conformada com aquela situação.
E numa tarde de calor no café do Chico, entretidos no dominó e cheios do bom tinto lá da zona…
- Isto de termos de andar a dar de comer àquelas formigas assassinas todos os meses não pode continuar, vociferou o Germano já com uns copos a mais! – E que havemos nós de fazer, retorquiu o Figueiras molhando as goelas com a saborosa pinga. – É essa a questão meus senhores, disse tio Gusto numa pose de altivez, dada pela idade e experiência, e pelo tinto também que o mantinha quase teso e de rosto vermelho na cadeira. -Temos de encontrar alguém com provas dadas em estudos de pragas de insectos, mas sem ser ninguém desses pseudo-técnicos que cá apareceram, esses só sabem cacarejar, num percebem um corno disto! – Você fala bem tio Gusto mas onde vamos nós descobrir esse estudioso? Perguntou o Quim da quilha.
Neste momento, antes de alguém abrir a boca e dar rumo à conversa, entrou um sujeito alto de bom aspecto… -Sr. sirva-me um jarrão de sumo de uva preta!... sumo de uva preta??? Mas o que é isso!? Disse o Chico olhando para o pessoal que abanavam a cabeça negativamente. –Um bom jarro do vosso excelente tinto homem! Ahhhhh disseram todos rindo à gargalhada.
- Ora aqui está, e quem é o Sr.? É a primeira vez que o vimos por cá, está de passagem não, vai para onde? –Passei de propósito por aqui, e quero-vos fazer uma proposta. Em troca deste delicioso vinho dou-vos estas Seis Lombrigas (que mostrou abrindo um saco pequeno com água), para as largarem lá em baixo no pantanal!
- Um momento ó chefe, você chega aqui pede o vinho e pensa que o pode pagar com lombrigas? Vociferou o Germano com os olhos esbugalhados!!! Exactamente, mas está armado em quê homem, perguntou o Chico dono do café. – Bom, eu explico, disse o desconhecido. Acontece que passei lá em baixo no pantanal e reparei em várias carcaças de animais já desfeitas e em muitos rastos das enormes formigas brancas e cegas, e estas Lombrigas vão resolver-lhes os problemas desta praga!
-Espera lá. Como é que você sabia que tínhamos este problema e que a causa são das formigas assassinas? Perguntaram em conjunto.
Isso seria difícil de vos explicar, terão de acreditar em mim… se aceitarem a troca, pago o vinho com as lombrigas, e depois, talvez um dia ainda possam me agradecer!
Aquela gente muito espantada reuniu-se a um canto do café e lá foram discutindo o assunto.
-Mas este gajo é maluco ou tá bêbado? Num sei, isto é muito estranho. E que vamos fazer agora? Todos falando e discutindo muito apalermados… o tio Gusto, ainda muito direito e vermelho na cadeira disse: vamos aceitar gente, também não perdemos nada, tirando o jarrão de vinho mas isso é o menos, mas parece-me… sinto que este fulano tá falando verdade!
-Olhe Sr decidimos aceitar sua proposta, esperámos que não nos esteja a enganar, senão, se voltar a pisar estas terras damos-lhe cabo do canastro, percebeu!?
- Nada disso bons homens, sempre que se lembrarem de mim só terão boas lembranças, vão ao pantanal e despejem as lombrigas!
E na verdade no mês que se seguiu, nem ataques a animais se deram, nem rastos das formigas assassinas se viram! Nunca mais tiveram problemas com esta estranha praga!

Carlos Reis

(Imagem: Web)