terça-feira, 18 de setembro de 2007

Retratos (Fim do Namoro)

Depois de fazermos amor viemos até ao varandão, estava uma noite lindíssima e particularmente calma, ela estendeu a mesma manta grossa no chão, tínhamos ali cadeiras de estender bem confortáveis mas preferíamos estender-nos no chão sempre que ia lá a casa.
Ela bebia vinho branco fresco e eu o meu inseparável whisky com gelo e coca-cola.
Tocava na sala os Dead can Dance som bom que combinava bem com a tranquilidade da noite.
Estivemos bastante tempo sem dizer nada, ela de olhos fechados e eu olhando o céu… saboreando as bebidas e fumando, ela cigarros e eu cigarrilhas, que era o que gostava naquelas alturas.
- Olha o céu Rita, tá esplêndido… abriu os olhos e ficamos a olhar o céu nocturno, limpo fervilhando de pontos brilhantes e Marte mais além… ou seria Vénus… já não sei!
- Em que pensas João?... “eu não pensava em nada, estava absorto numa letargia saborosamente calma, era como estar ali e ao mesmo tempo não estivesse… e a noite sensacional e fresca, o som do mar ao longe, as estrelas que não paravam de dançar”…
-Em nada!... – Em nada!? Olha que para quem está sempre a pensar em coisas e a sonhar nisto e naquilo fazendo planos para tudo, deixas-me surpreendida, disse sorrindo… pareceu-me que forçou o sorriso.
- E tu em que pensas?... Sentou-se e encostando-se à porta de vidro, acendeu outro cigarro, deu um golo de vinho, e olhou-me de lado fixando o olhar nas pernas nuas… temos de dar um rumo à nossa relação João – tinha os olhos vidrados prontos a chorar -, gosto demasiado de ti, mas não podemos continuar a viver assim, eu pelo menos não quero, vivemos desta maneira há anos, o tempo vai passando e quero definir de uma vez por todas a nossa relação!...
“Fiquei quieto, tal como estava, mas com o peito a rebentar, tal a força dos batimentos do coração!”.
- Tens a certeza do que estás a dizer Rita? Namoramos há tanto tempo, tudo tem estado bem, o que te leva a querer isso? Porque queres acabar com tudo?
- João, já não somos miúdos, o tempo passa, e eu quero estabilidade na minha vida… quero família, quero filhos, quero homem só meu e não um adorado amante, é isto!...

Custou-me bastante a separação, eu adorava aquela mulher, adoro-a ainda hoje!
É mãe, directora executiva numa empresa de prestígio, e continua linda com sempre foi!
Quando nos cruzamos actualmente não falamos directamente, cumprimentamo-nos com o olhar… às vezes falamos pelo telemóvel… coisa sem importância… minutos de lembranças só!

Carlos Reis

(Imagem:Web)



terça-feira, 14 de agosto de 2007

Trajectos (Mortes Intrigantes)

Aos poucos as gentes da Serra da Labuta começaram a ficar bastante preocupadas com o aumento de mortes do gado, de galinhas e até de alguns cães e gatos.
Isto nunca antes tinha acontecido. – Ainda ontem um bezerro do Quim da quilha, lá de cima, foi encontrado morto, só ossos se viam, lá em baixo perto do pantanal. Dizia o Figueiras no café, à volta da mesa do dominó.
-Mas que raio se anda a passar por aqui? – Disse o Germano, com olhar aflito. Isto só pode ser coisa de animais desconhecidos da zona que apareceram por aqui famintos. –Ou então vândalos vindo das cidades, como já não lhes chegam os bares e discotecas vêm para aqui se divertir matando nossos animais, desabafou outro.
-Ó homem, já viu como apareceram os animais? Isto num é coisa de homens, é coisa do diabo! –acrescentou outro.
-Deixe-se disso compadre, está dizendo que isto é coisa de bruxarias? Olhe que não, aqui há coisa muito matreira e de grande malvadez feita por cabeças que sabem muito bem o que fazem. De bruxaria isto num tem nada!
Toda a tarde os homens incrédulos lá iam debitando seus pareceres a respeito de tão misteriosas matanças de animais.
E o que mais os espantava era a maneira como as carcaças se apresentavam: todas chupadinhas até ao osso!
Outra coisa intrigante com que se perguntavam era… que raio de animal, ou lá o que é, vem atacar cá em cima aos campos e quintais, arrastam as suas presas Serra abaixo, deixando trilhos bem evidentes, e devoram-nos lá em baixo nas margens do pantanal?
- Olhe que você agora pôs o dedo na ferida Figueiras, por que será que as carcaças vão todas aparecer lá em baixo no pantanal? – Disse o Germano sempre com aquele ar aflito e um pouco lunático.
-Para mim algo de muito estranho se passa perto daquelas águas pantanosas – afirmou o tio Gusto!
-Temos de marcar com urgência uma reunião com toda a gente da Serra, a polícia e os presidentes camarários. Isto assim não pode continuar, temos de desvendar este mistério e rapidamente, disse peremptório o Chico, dono do café.
Houve uma reunião, duas, seis reuniões e nada de conclusivo aconteceu. O marasmo e confusão era muita… toda a gente cheia de dúvidas, interrogações e suspeitas, começaram a ficar impacientes, nervosos, e alguns até em pânico… e não era para menos, o tempo ia passando e alguns animais morrendo perto do pantanal!
Resolveram chamar especialistas das grandes cidades, entendidos nos comportamentos dos animais conhecidos daquela zona. Detectives policiais foram contratados. Vigilantes nocturnos, uns contratados outros voluntários, juntaram-se para controlar as noites e tudo o que mexesse naquela Serra e pantanal.
Nunca viram nada nem se aperceberam de qualquer coisa especial… a não ser um som arrastado e contínuo, como algo de “corrido e rápido” na terra… algo que sentiam mas não viam!
O desespero alarmante começava a tomar conta daquela gente!
Um dia um jovem pastor entrou no café do Chico, e pausadamente mas com voz firme exclamou para todos os presentes… – Sei quem nos anda a matar os animais!... Ficaram todos espantados olhando o rapaz… - Quem???... Perguntaram em uníssono…
- São as formigas cegas do pantanal, brancas e grandes, que têm as suas colónias em túneis nas águas pantanosas!...
Depois desta revelação fizeram-se estudos e experiências e chegou-se à conclusão que estas formigas cegas, com tamanho muito acima do normal, atacavam e actuavam à noite pois não suportavam a luz do dia, nem das lanternas dos vigilantes, e neste caso deambulavam por túneis subterrâneos por debaixo da terra. E só atacavam os animais em grande silêncio e sem qualquer luz.
A outra conclusão a que chegaram foi de que, estas formigas eram uma metamorfose de químicos agrícolas usados nos campos de milho na Serra e campos à volta.
- E agora que vamos nós fazer? Perguntou um, e logo todos os outros repetiram a pergunta: - sim, que vamos nós fazer agora para as aniquilar para que não nos comam os animais?
- Nada!!! Para já nada, por que não conhecemos maneira de as matar e elas são aos milhões, e embora cegas são descomunalmente fortes e resistentes, e enquanto forem alimentadas pelos químicos dos milharais, não sabemos o que fazer! Disseram os técnicos.
- Vamos ficar de braços cruzados vendo as malditas formigas comer os nossos animais? E se mais tarde começarem atacar as pessoas?... Perguntaram enfurecidas as gentes!
-Tenho uma ideia, disse um dos técnicos. – Enquanto não for possível modificar os químicos agrícolas dos milharais, cada um dos Senhores com terras e animais à volta do pantanal, sacrificam um animal aqui em baixo no pantanal, por mês, para as manter longe das vossas quintas e animais!
Ninguém gostou desta ideia, mas lá anuíram… já que não conseguimos matá-las pelo menos mantemo-las ao largo!

No entanto, dois meses depois aquela gente da Serra ainda não estava conformada com aquela situação.
E numa tarde de calor no café do Chico, entretidos no dominó e cheios do bom tinto lá da zona…
- Isto de termos de andar a dar de comer àquelas formigas assassinas todos os meses não pode continuar, vociferou o Germano já com uns copos a mais! – E que havemos nós de fazer, retorquiu o Figueiras molhando as goelas com a saborosa pinga. – É essa a questão meus senhores, disse tio Gusto numa pose de altivez, dada pela idade e experiência, e pelo tinto também que o mantinha quase teso e de rosto vermelho na cadeira. -Temos de encontrar alguém com provas dadas em estudos de pragas de insectos, mas sem ser ninguém desses pseudo-técnicos que cá apareceram, esses só sabem cacarejar, num percebem um corno disto! – Você fala bem tio Gusto mas onde vamos nós descobrir esse estudioso? Perguntou o Quim da quilha.
Neste momento, antes de alguém abrir a boca e dar rumo à conversa, entrou um sujeito alto de bom aspecto… -Sr. sirva-me um jarrão de sumo de uva preta!... sumo de uva preta??? Mas o que é isso!? Disse o Chico olhando para o pessoal que abanavam a cabeça negativamente. –Um bom jarro do vosso excelente tinto homem! Ahhhhh disseram todos rindo à gargalhada.
- Ora aqui está, e quem é o Sr.? É a primeira vez que o vimos por cá, está de passagem não, vai para onde? –Passei de propósito por aqui, e quero-vos fazer uma proposta. Em troca deste delicioso vinho dou-vos estas Seis Lombrigas (que mostrou abrindo um saco pequeno com água), para as largarem lá em baixo no pantanal!
- Um momento ó chefe, você chega aqui pede o vinho e pensa que o pode pagar com lombrigas? Vociferou o Germano com os olhos esbugalhados!!! Exactamente, mas está armado em quê homem, perguntou o Chico dono do café. – Bom, eu explico, disse o desconhecido. Acontece que passei lá em baixo no pantanal e reparei em várias carcaças de animais já desfeitas e em muitos rastos das enormes formigas brancas e cegas, e estas Lombrigas vão resolver-lhes os problemas desta praga!
-Espera lá. Como é que você sabia que tínhamos este problema e que a causa são das formigas assassinas? Perguntaram em conjunto.
Isso seria difícil de vos explicar, terão de acreditar em mim… se aceitarem a troca, pago o vinho com as lombrigas, e depois, talvez um dia ainda possam me agradecer!
Aquela gente muito espantada reuniu-se a um canto do café e lá foram discutindo o assunto.
-Mas este gajo é maluco ou tá bêbado? Num sei, isto é muito estranho. E que vamos fazer agora? Todos falando e discutindo muito apalermados… o tio Gusto, ainda muito direito e vermelho na cadeira disse: vamos aceitar gente, também não perdemos nada, tirando o jarrão de vinho mas isso é o menos, mas parece-me… sinto que este fulano tá falando verdade!
-Olhe Sr decidimos aceitar sua proposta, esperámos que não nos esteja a enganar, senão, se voltar a pisar estas terras damos-lhe cabo do canastro, percebeu!?
- Nada disso bons homens, sempre que se lembrarem de mim só terão boas lembranças, vão ao pantanal e despejem as lombrigas!
E na verdade no mês que se seguiu, nem ataques a animais se deram, nem rastos das formigas assassinas se viram! Nunca mais tiveram problemas com esta estranha praga!

Carlos Reis

(Imagem: Web)

sexta-feira, 29 de junho de 2007

Trajectos (Maria-Rapaz)

Mónica com seus 14 anos era o ‘rapaz’ mais rebelde e traquinas no meio dos rapazes do jardim, onde todos os fins de tarde lá iam jogar à bola. Era a única rapariga a entrar nos jogos dos rapazes.
Era uma menina não muito forte, até um pouco magra, mas com uma energia e vida que impressionava. Bonita e alta, bem quezilenta se se metessem com ela, e sempre pronta a fazer frente aos rapazes mais malandros do grupo e redondezas.
Em casa, embora arisca com seu feitio rebelde, era dócil e obediente para com os pais, sempre pronta a ajudá-los na lida da casa e no mercado onde ganhavam a vida.
Na escola era excelente nos estudos, e a liderar o seu grupo de raparigas e rapazes era autoritária, disciplinadora e amiga.
-Sem a comandante por aqui nunca sabemos o que fazer, já viram? Desabafavam alguns!
Os anos foram passando e aquela rapariga esguia dividia-se entre os estudos e namoricos quase sempre muito breves - pois os rapazes não aguentavam a pedalada e feitio difícil que a marcava -, e a casa onde tinha sempre montes de coisas para fazer, ajudando assim os pais.
Com 19 anos conheceu o Pedro, rapaz de outras bandas que veio morar para o bairro, e por quem se apaixonou perdidamente. Depois de uns tempos de namoro, engravidou, e tiveram um filho, que era “o brinquedo mais lindo do mundo, assim o dizia”.
Os pais sofreram um grande desgosto com esta gravidez, por ela ser solteira, e as relações entre ambos andou tensa por bastante tempo. No entanto, depois do nascimento de Ricardo, os pais lá se foram rendendo ao fascínio do neto que não parava de lhes sorrir.
E quando a normalidade naquela casa, nas relações de afectos e concórdia, se estava restabelecendo, algo de muito estranho começou a acontecer com Mónica.
Foi exactamente no dia do seu vigésimo primeiro aniversário, quando os pais e companheiro, se aperceberam do olhar apático e fixo com que Mónica ficara depois de soprar as velas do bolo do seu aniversário.
Chamaram-lhe atenção para isso e ela mal balbuciou algumas palavras… de olhos arregalados e espantados apontou para o bolo! – Não estão vendo as imagens que estão aparecendo no bolo?... Não estão vendo os prédios a cair?... Há pessoas em agonia pedindo socorro, não vêem?!!
Ninguém via nada, só ela via, só ela tinha estas visões de catástrofes e infortúnios.
Poucas, uma finita parte destas premonições tinham desenlace positivo, sem dor e sofrimento.
Daqui para a frente a vida de Mónica, e de todos daquela casa, se transfigurou, e com o andar do tempo ia-se transfigurando cada vez mais, sem ninguém perceber o que se passava!
Mónica, amargurada e transtornada com todos estes acontecimentos que surgiram tão repentinamente na sua vida… todas aquelas visões e premonições que se iam repetindo com mais frequência, deixou de ter grande discernimento para a vida diária, e cada vez mais se isolava e rezava.
Pediu cada vez mais insistentemente aos seus pais que olhassem pelo seu filho por que ela já não tinha forças nem cabeça para o fazer. Pedidos frequentes e de choro!
Falou com psicólogos e psiquiatras e também com padre Antunes, onde lhes explicou todo o seu drama – “ando a ter visões e premonições de catástrofes e acontecimentos de muita dor, e que não sei de onde vêm!” - , ninguém a pôde ajudar, ninguém sabia ao certo o que lhe dizer!... E a desamparada jovem mulher lá ia definhando, falando consigo própria como se louca estivesse!
Uns tempos depois soube de um velho que vivia nas serras, a quem chamavam de «bruxo», e foi ter com ele.
-Estas coisas aparecem-me de repente e em qualquer lugar, umas vezes a dormir sonhando mas na maioria das vezes é quando estou acordada, e fico como que paralisada, vendo cenas de brutalidade, acontecimentos de catástrofes naturais: como cheias, vendavais, barcos afundar-se, prédios a ruírem, cenas de lutas e muito sangue e muito sofrimento!... Pessoas em agonia a olharem-me pedindo ajuda… eu quero ajudar, gostava de poder ajudar, mas estou paralisada, não consigo mexer um músculo sequer. Nem sei como as poderia ajudar, isto são visões, de concreto nada existe, nada é real!... E isto magoa-me tanto, fico arrasada física e mentalmente, por vezes caio e desmaio.
- Explicava ela ao homem da serra!
- Minha filha tu tens um ‘DOM’, uma espécie de «caminho aberto no espaço-tempo do Universo», por onde entram essas visões, esses fluidos inexplicáveis à luz da lógica e da racionalidade. Tens de aprender a lidar e aceitar essa tua faceta de pessoa ‘especial’. Não te podes atemorizar, mesmo com tanto sofrimento e dor nessas imagens! Eu sei que não é fácil, mas se assim não for, acabas por definhar física e psicologicamente o que te pode levar à loucura!
Aceita essa ‘prenda’ que te foi dada por alguma razão, que eu, obviamente, não sei!
Vai para casa, cuida de teu filho, e faz a tua vida normal… e sempre que tiveres essas visões, não entres em pânico nem as repeles… tenta, devagar e com calma, interpretá-las como sinais vindos de origem desconhecida, e que viu em ti um bom receptáculo para as manifestar!... E com o tempo vais aprender a viver com elas e perceber o seu significado, está bem!?
Mas nunca, nunca mesmo, amaldiçoes essa tua capacidade de seres tão ‘Sensitiva’!... E de algo, ou alguém te ter escolhido para se manifestar!
Vai em paz, vive a tua vida normalmente e não tenhas medo dessas manifestações!

Carlos Reis

(Imagem Web)

segunda-feira, 21 de maio de 2007

Trajectos (O Velhaco)

Esta história passou-se, no essencial, por estes montes da serra do Altar e pelas três aldeias circundantes.

Zé da Pilha era um sujeito já dos seus quarenta e tal anos, que herdou bastante dinheiro de uns tios que mal conhecia dos lados da Covilhã. A sua infância não foi muito fácil, embora não se possa dizer que tivesse passado por maus bocados, os pais não eram muito abastados financeiramente mas tinham uns terrenos pequenos à volta da casa em que iam cultivando e tirando o suficiente para levarem uma vida sem fome e grandes sobressaltos.
Mas vendo-se cheio de dinheiro começou a transfigurar-se. Já pouco ou nada obedecia aos pais, passou a isolar-se e a andar de aldeia em aldeia sozinho. Gastando balúrdios de dinheiro sem conta.
Cheio dos exageros de tanto dinheiro – aventuras com mulheres, jogos da sorte e azar onde perdia mais dinheiro que ganhava, humilhações escabrosas nos meios mais humildes com pessoas pobres, sem a mínima sensibilidade gostava de gozar e ridicularizar todos os que se lhe atravessavam pela frente, fazendo do dinheiro a arma do poder para derramar tanto “sangue emocional”.
Zé da Pilha ou o “velhaco”, como ficou conhecido mais tarde, já não satisfeito com tanta pelintrice safada, voltou a sua cabeça vil para empreendimentos mais sujos e ignóbeis usando o dinheiro para os realizar.
Como em pequeno, em contacto com a natureza, aprendeu a conhecer certos venenos de plantas, sapos e outra bicharada. Daí que se tenha lembrado que se pudesse impregnar as notas de 50Eur com veneno, ia dar-lhe muito gozo em provocar dor e sofrimento a todos que pegassem no seu dinheiro… «já que tanto querem o meu dinheiro, vou-lhes dizer como é!»… pensou ele definitivamente empenhado neste plano malévolo.
Desapareceu por uns tempos, mais ninguém o viu. Agora é fácil de perceber que andou a fazer experiências com os venenos e arranjar maneiras de impregnar as notas com os venenos.
Quando reapareceu pelas aldeias pagava tudo o que comprava com notas de 50Eur, mesmo quando o valor da compra era muito menos. –Fique com o troco, dizia ele!
E assim foi espalhando o horror das doenças que o dinheiro envenenado continha.
E, aos poucos, as pessoas começaram a queixarem-se de maleitas que ninguém sabia o que era.
Médicos, curandeiros e anciãos com suas medicinas e mezinhas não encontravam tratamentos para as doenças que iam aparecendo, e muito menos sabiam do que se tratava.
As pessoas iam-se agonizando pelas aldeias e ninguém sabia o que fazer.
Meteu polícia, meteu-se a igreja, e por mais inspecções, buscas, rezas e missas, ninguém sabia ou descobria a origem do mal.
-Éramos pobres mas com saúde, sempre fomos assim, e agora andamos todos doentes… como vamos ganhar o pão e a sopa para a família se não podemos trabalhar?... Desabafos destes ouviam-se em todas as aldeias… o pânico e a tristeza espalhava-se!...
Zé da Pilha, rico e de cabeça doente, passeava-se pelas aldeias olhando o horror que tinha provocado, e maquiavélico continuava a pagar e a distribuir notas infectadas de 50Eur, dizendo até aos mais necessitados: -Tomem lá este dinheiro para as vossas necessidades!...
Este horror, esta calamidade, só foi descoberta muito mais tarde por alguns que se aperceberam de que as crianças, os mais novos, não eram infectados!...
Foi o sapateiro Grilo, da Aldeia de Cima, que começou a dar o lamiré à clientela. Vossemecês já repararam que a garotada não têm sido afectados por esta epidemia? Logo o boato se espalhou e as autoridades apercebendo-se do facto meteram «mãos à obra»!
Começaram as investigações pelas três aldeias e de maneira exaustiva e criteriosa chegaram à conclusão que as primeiras pessoas a adoecerem foram os que tinham negócios.
-Estás a pensar o mesmo que eu Manel? -disse um tenente da GNR ao outro. -Acho que sim pá, isto começou pelos comerciantes, portanto, tudo aponta para o dinheiro… e quem tem andado por aí a desbaratar dinheiro à balda?! -Aquele fuinha do Zé da Pilha armado em ricaço, disseram ambos em uníssono!
Sem perderem tempo lá foram a casa do energúmeno, de surpresa.
E lá encontraram tudo: os sapos, as plantas venenosas e o material para misturar o veneno e utensílios utilizados para impregnar as notas com o veneno.
E encontraram também Zé da Pilha deitado na cama doente, a arder de febre e todo borbulhoso, exactamente com os mesmos sintomas que tinha a doença que ele próprio espalhou!
-Este matou-se com a sua própria arma do mal, disse um!
-Há gente que não pode nem sabe ter muito dinheiro, ficam avariados da tola, não sabem o que lhe fazer, e só lhes dá para o mal, disse o outro!


Carlos Reis

Imagem: CCR