terça-feira, 20 de abril de 2010

Eu, Tu e a Escrita

Continuo a gostar bastante de ter folhas de papel vazias e soltas à minha frente.



E no branco deixar o lápis fluir na escrita como lhe aprouver. Entrar no jogo das letras que se juntam, e brincam, para formar palavras em desenhos que transmitem sentires e emoções e pensamentos como o pintor faz às suas telas em branco… como o escultor faz na sua massa disforme… e criar em total liberdade muito de mim, que se alimenta de bocados de memórias de ontem, de hoje, e do agora!
É um exercício belo o acto da escrita assim… é quase um puro acaso… é um puzzle desconhecido… o corpo do texto vai aparecendo por ele próprio como se ganhasse vida em cada letra que se junta ao jogo.
E neste respirar que emerge de mim sempre que acrescento alguma palavra, o texto «arregala os olhos» como novo sopro de vida… e elucida-se!


Sempre que olhares os brilhos da lua ou o sol desfeito em cores que queimam e me pressentires saberás porque existo.
Fui moldado por qualquer motivo para te acompanhar, até temos o mesmo reluzir nos olhos, já viste?
Mesmo não estando juntos naqueles momentos em que chego mais tarde, olhas o céu e ele dir-te-á onde estou - estou nos teus olhos e na paixão indivisível de nós.


Olhei o sol a pôr-se e estava deslumbrante, enorme, imenso naquele vermelhão que ofusca os olhos, abraçando o mundo na sua vaidosa grandiosidade, e eu senti-me vibrar nesta partilha de poderio… desencadeando fulgores em mim, no sangue, compincha de tresloucadas correrias no corpo, e pensei em ti!
Tu sabes como te adoro mulher amante e companheira, mas também sabes como preciso do ar da rua.


Perder-me sem rumo nestes frescos dos espaços abertos, beber o sussurrar deste vento que alvoraça o meu rosto e acalma o frenesim deste meu espírito sempre inquieto e pronto para aventuras, rebeldia de mim em constantes anseios por redescobertas, suaviza o ritmo dos dias repetitivos que me cansam e torturam-me como só eu sei!


Nem sempre consigo resistir à tentação do mar e dispo-me… em muito de nu, enfio-me na água e perco muito da minha identidade de roupa vestida, e vou, vou até algum rochedo em abraços cúmplices com as ondas que me sacodem no seu corpo de alegria.


Sentar-me num rochedo bem dentro do mar é das sensações mais extasiantes e deliciosas que conheço, é unificar-me às partículas mais simples e intensas que existe no universo… é como deixar muito a forma humana nestas alturas e tornar-me matéria viva contemplativa, criadora do cosmos… podes crer minha querida tantas vezes já me senti um pequeno deus.


Tal e qual quando em miúdo, bem dentro das entranhas dos mares no oceano aberto, deserto de água aos meus pés e céu imenso nos meus olhos, falei e falei com o ar como se obtivesse respostas num «tu lá tu cá» como amigos de longa data, numa transcendência etérea abismal…
É tão intenso e persistente este sentimento como o mistério adulador dos cantares nos silêncios ondulantes, que se entranham bem fundo na alma, e o Celestial engravidasse, unicamente, para que fosse a minha terra.

São elos tão fortes entre mim e o ar da rua e a água, que te peço que me perdoes pelas minhas ausências.
Perdoa-me os atrasos nos dias em que demoro muito a despedir-me da lua.
Perdoa-me os longos minutos em que me anseias e eu continuo a vaguear à toa.
Perdoa-me os abraços e beijos que te devo quando devaneio nas pluralidades da noite.
Perdoa-me este meu jeito descuidado quando não te dou a atenção que mereces e precisas.
Mas NUNCA me perdoes se me esqueço de te trazer pedaços do sol, pedaços do mar, pedaços da lua bem dentro de mim, para tos dar por inteiro à noite, no chão quando te toco, nas vontades de nós, na mais bela e deslumbrante dança dos corpos!

Carlos Reis

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Bom Dia


A manhã está gélida no acordar do dia entre as sombras das primeiras claridades.


O frio não se faz de rogado em mostrar-me a sua valentia no rosto e no corpo que estremece.
Enrosco-me no kispão, fiel amigo destas demandas, e desafio o ar cortante de olhos brilhantes.
E ao contrário do esperado há exaltação em mim na corrente electrificante que me atravessa o corpo assoberbado em luta desigual que inebria todas as minhas fibras que, agora revigoradas pouco temem.


As gaivotas e pombas são as minhas companheiras matinais nestes dias para cumprir.
Outros seres destemidos, conhecidos ou não, pessoas preciosas encafuadas nas roupas mais tortas acenam com as cabeças em maquinais bons dias.
O céu torna-se mais claro mostrando braços coloridos da aura do sol que se espreguiça,
Bem haja… assim engana o torpor que assola os pés e mãos bêbedas nos dançares impostos,
E o alento anima-se vindo de uma fonte qualquer exuberante de manifestações sadias.


As ruas por enquanto estão vazias, é pé no pedal e deixar o carro andar,
(palavra que não sei de onde me vem este gosto de sentir o frio na cara)
Sabe-me bem e desperta-me os sentidos que refrescam a atenção do objectivo atingir.
Uma espécie de chave que abre portas que não sei ao certo o que vou encontrar do outro lado…
A estrada é longa e cheia de ratoeiras como os caminhos da vida – há que ter cuidado…


Aproveitar as vistas de campos cheios de sementes de vida prontas a florescer,
Deixar que os suaves cantos das aves sejam a minha música do enternecer,
Olhar as águas em livre correr que se passeiam em rios de espasmos de prazer,
Sentir as gotículas de lágrimas caídas da lua como elixir para alimentar o sonho da meta a engrandecer,
As montanhas além, sempre tão longe das mãos e perto do olhar, para meu agrado no seu jeito disforme «acavalitam-se» em desenhos surreais nas sombras do amanhecer,
E o sol já se faz notar, imponente, olho enorme que tudo banha e engole no seu deslumbre, e os meus olhos chispam risos de alegria e penso em ti criatura linda que ateias o fogo do meu Ser.
Nos nossos segredos de ontem que deixamos o tempo da memória gravar disse-te:


“Que ter-te nestes aconchegos de ternuras e carícias em momentos só nossos continuo a deslumbrar-me tanto como no dia em que fulminaste o meu olhar.
Que quero seduzir-te uma vez mais com o calor das minhas mãos, pega nelas.
Deixa-as entrelaçar-te os ombros como o colar mais belo que sentiste.
São prendas de toques do momento porque o momento assim se dispõe.
Sei que sabes do turbilhão do meu peito agora à janela olhando a chuva que cai,
Chapinando desenhos de cores nos telhados e ardores em nós e no rio ao fundo também,
Empolgando o meu corpo, nicho do teu conforto… berço do nosso deleite!
Apetece-me sussurrar-te tantas coisas mas sem letras nem palavras, só respirando,
Deixar pura e simplesmente a voz do sangue latejante falar…
A linguagem das palavras agora não fazem sentido, nem demonstram o presente que tenho para ti dentro de mim.
São pulsações e respirações minhas suspensas no ar que pouso em ti.
Não há em mim promiscuidade mas sim céus imensos do gostar abertamente dos espaços em que passeamos e deito-me contigo.
Sorver o perfume da tua carne que me enleia em doce desfalecer de tontarias.
És a pérola sumptuosa que soube desencaminhar e roubar ao destino.


Diluímo-nos no chão em colchas quentes onde os bocados dos nossos corpos se espalham como os sons musicais que nos embalam… são ondas frenéticas e mansas afastando-se e unindo-se como os ecos das montanhas nos seus jogos de prazer.”


Carlos Reis






terça-feira, 6 de abril de 2010

Sabores da noite



Nascia o dia levemente colorido com os suaves tons de azuis e verdes dados pelo sol, ainda escondido…
As faces dela perdiam os contornos do sombreado da noite,
O rosto pendido no meu peito tonificava-se de róseo laranja e amarelos de alva,
Dormitando ainda, o bater do seu peito em mim eram solavancos de vida,
Fluxos de energia que me trespassava o corpo e espírito em acalmia alegre,
Alentava-me a alma o gostar de estar assim céu aberto deitados na areia,
Nas graças dos olhares luminosos e brilhantes sob tão adorado manto de estrelas.

O silêncio seria total se ao longe o bailar ondulado do mar não se fizesse ouvir,
Aqueles vai e vem das ondas são instrumentos de música que não há igual,
Embalam-me tão docemente como embalam os anjos que se passeiam pela noite,
E sinto em todo o meu Ser o entusiasmo imenso do renascer de outro dia,
- Apetece-me gritar, e grito em silêncio… à luz e sons que assim me deixam vaguear.

Tanto de mim se expande cobrindo esta menina que se enrosca no berço do meu colo,
Uma concha, uma sereia, um serafim em perfeito desenho de feto,
É linda esta criatura feminina que exala néctares de ninfa… sabores de si,
Rosas, jasmins, plantas impensadas, perfumes dados por todos os seus poros,
Beijo-lhe os cabelos de seda… a esta mulher-amante dos passos da noite,
Longos e negros que parecem clarear pelos miríades pingos caídos do rosto cândido,
E húmido da noite.

O sol agora já é senhor de todo o seu poderio, braços abertos e mãos estendidas,
Vai pintando e reluzindo tudo que lhe aparece pela frente e como lhe apetece,
Contentamento de criança nos desvarios das cores em folhas brancas.

E esta minha embriaguez emocional faz-me rolar o sangue escaldante sem sentido,
Altera-me a geometria das veias na inebriante exaltação no seu corrediço andar,
É veneno bom em mim… é veneno bom que lhe estendo…
É veneno bom e gratificante de mim que lhe dou nos olhares que lhe pouso nos lábios!

Carlos Reis