sexta-feira, 29 de junho de 2007

Trajectos (Maria-Rapaz)

Mónica com seus 14 anos era o ‘rapaz’ mais rebelde e traquinas no meio dos rapazes do jardim, onde todos os fins de tarde lá iam jogar à bola. Era a única rapariga a entrar nos jogos dos rapazes.
Era uma menina não muito forte, até um pouco magra, mas com uma energia e vida que impressionava. Bonita e alta, bem quezilenta se se metessem com ela, e sempre pronta a fazer frente aos rapazes mais malandros do grupo e redondezas.
Em casa, embora arisca com seu feitio rebelde, era dócil e obediente para com os pais, sempre pronta a ajudá-los na lida da casa e no mercado onde ganhavam a vida.
Na escola era excelente nos estudos, e a liderar o seu grupo de raparigas e rapazes era autoritária, disciplinadora e amiga.
-Sem a comandante por aqui nunca sabemos o que fazer, já viram? Desabafavam alguns!
Os anos foram passando e aquela rapariga esguia dividia-se entre os estudos e namoricos quase sempre muito breves - pois os rapazes não aguentavam a pedalada e feitio difícil que a marcava -, e a casa onde tinha sempre montes de coisas para fazer, ajudando assim os pais.
Com 19 anos conheceu o Pedro, rapaz de outras bandas que veio morar para o bairro, e por quem se apaixonou perdidamente. Depois de uns tempos de namoro, engravidou, e tiveram um filho, que era “o brinquedo mais lindo do mundo, assim o dizia”.
Os pais sofreram um grande desgosto com esta gravidez, por ela ser solteira, e as relações entre ambos andou tensa por bastante tempo. No entanto, depois do nascimento de Ricardo, os pais lá se foram rendendo ao fascínio do neto que não parava de lhes sorrir.
E quando a normalidade naquela casa, nas relações de afectos e concórdia, se estava restabelecendo, algo de muito estranho começou a acontecer com Mónica.
Foi exactamente no dia do seu vigésimo primeiro aniversário, quando os pais e companheiro, se aperceberam do olhar apático e fixo com que Mónica ficara depois de soprar as velas do bolo do seu aniversário.
Chamaram-lhe atenção para isso e ela mal balbuciou algumas palavras… de olhos arregalados e espantados apontou para o bolo! – Não estão vendo as imagens que estão aparecendo no bolo?... Não estão vendo os prédios a cair?... Há pessoas em agonia pedindo socorro, não vêem?!!
Ninguém via nada, só ela via, só ela tinha estas visões de catástrofes e infortúnios.
Poucas, uma finita parte destas premonições tinham desenlace positivo, sem dor e sofrimento.
Daqui para a frente a vida de Mónica, e de todos daquela casa, se transfigurou, e com o andar do tempo ia-se transfigurando cada vez mais, sem ninguém perceber o que se passava!
Mónica, amargurada e transtornada com todos estes acontecimentos que surgiram tão repentinamente na sua vida… todas aquelas visões e premonições que se iam repetindo com mais frequência, deixou de ter grande discernimento para a vida diária, e cada vez mais se isolava e rezava.
Pediu cada vez mais insistentemente aos seus pais que olhassem pelo seu filho por que ela já não tinha forças nem cabeça para o fazer. Pedidos frequentes e de choro!
Falou com psicólogos e psiquiatras e também com padre Antunes, onde lhes explicou todo o seu drama – “ando a ter visões e premonições de catástrofes e acontecimentos de muita dor, e que não sei de onde vêm!” - , ninguém a pôde ajudar, ninguém sabia ao certo o que lhe dizer!... E a desamparada jovem mulher lá ia definhando, falando consigo própria como se louca estivesse!
Uns tempos depois soube de um velho que vivia nas serras, a quem chamavam de «bruxo», e foi ter com ele.
-Estas coisas aparecem-me de repente e em qualquer lugar, umas vezes a dormir sonhando mas na maioria das vezes é quando estou acordada, e fico como que paralisada, vendo cenas de brutalidade, acontecimentos de catástrofes naturais: como cheias, vendavais, barcos afundar-se, prédios a ruírem, cenas de lutas e muito sangue e muito sofrimento!... Pessoas em agonia a olharem-me pedindo ajuda… eu quero ajudar, gostava de poder ajudar, mas estou paralisada, não consigo mexer um músculo sequer. Nem sei como as poderia ajudar, isto são visões, de concreto nada existe, nada é real!... E isto magoa-me tanto, fico arrasada física e mentalmente, por vezes caio e desmaio.
- Explicava ela ao homem da serra!
- Minha filha tu tens um ‘DOM’, uma espécie de «caminho aberto no espaço-tempo do Universo», por onde entram essas visões, esses fluidos inexplicáveis à luz da lógica e da racionalidade. Tens de aprender a lidar e aceitar essa tua faceta de pessoa ‘especial’. Não te podes atemorizar, mesmo com tanto sofrimento e dor nessas imagens! Eu sei que não é fácil, mas se assim não for, acabas por definhar física e psicologicamente o que te pode levar à loucura!
Aceita essa ‘prenda’ que te foi dada por alguma razão, que eu, obviamente, não sei!
Vai para casa, cuida de teu filho, e faz a tua vida normal… e sempre que tiveres essas visões, não entres em pânico nem as repeles… tenta, devagar e com calma, interpretá-las como sinais vindos de origem desconhecida, e que viu em ti um bom receptáculo para as manifestar!... E com o tempo vais aprender a viver com elas e perceber o seu significado, está bem!?
Mas nunca, nunca mesmo, amaldiçoes essa tua capacidade de seres tão ‘Sensitiva’!... E de algo, ou alguém te ter escolhido para se manifestar!
Vai em paz, vive a tua vida normalmente e não tenhas medo dessas manifestações!

Carlos Reis

(Imagem Web)