segunda-feira, 21 de maio de 2007

Trajectos (O Velhaco)

Esta história passou-se, no essencial, por estes montes da serra do Altar e pelas três aldeias circundantes.

Zé da Pilha era um sujeito já dos seus quarenta e tal anos, que herdou bastante dinheiro de uns tios que mal conhecia dos lados da Covilhã. A sua infância não foi muito fácil, embora não se possa dizer que tivesse passado por maus bocados, os pais não eram muito abastados financeiramente mas tinham uns terrenos pequenos à volta da casa em que iam cultivando e tirando o suficiente para levarem uma vida sem fome e grandes sobressaltos.
Mas vendo-se cheio de dinheiro começou a transfigurar-se. Já pouco ou nada obedecia aos pais, passou a isolar-se e a andar de aldeia em aldeia sozinho. Gastando balúrdios de dinheiro sem conta.
Cheio dos exageros de tanto dinheiro – aventuras com mulheres, jogos da sorte e azar onde perdia mais dinheiro que ganhava, humilhações escabrosas nos meios mais humildes com pessoas pobres, sem a mínima sensibilidade gostava de gozar e ridicularizar todos os que se lhe atravessavam pela frente, fazendo do dinheiro a arma do poder para derramar tanto “sangue emocional”.
Zé da Pilha ou o “velhaco”, como ficou conhecido mais tarde, já não satisfeito com tanta pelintrice safada, voltou a sua cabeça vil para empreendimentos mais sujos e ignóbeis usando o dinheiro para os realizar.
Como em pequeno, em contacto com a natureza, aprendeu a conhecer certos venenos de plantas, sapos e outra bicharada. Daí que se tenha lembrado que se pudesse impregnar as notas de 50Eur com veneno, ia dar-lhe muito gozo em provocar dor e sofrimento a todos que pegassem no seu dinheiro… «já que tanto querem o meu dinheiro, vou-lhes dizer como é!»… pensou ele definitivamente empenhado neste plano malévolo.
Desapareceu por uns tempos, mais ninguém o viu. Agora é fácil de perceber que andou a fazer experiências com os venenos e arranjar maneiras de impregnar as notas com os venenos.
Quando reapareceu pelas aldeias pagava tudo o que comprava com notas de 50Eur, mesmo quando o valor da compra era muito menos. –Fique com o troco, dizia ele!
E assim foi espalhando o horror das doenças que o dinheiro envenenado continha.
E, aos poucos, as pessoas começaram a queixarem-se de maleitas que ninguém sabia o que era.
Médicos, curandeiros e anciãos com suas medicinas e mezinhas não encontravam tratamentos para as doenças que iam aparecendo, e muito menos sabiam do que se tratava.
As pessoas iam-se agonizando pelas aldeias e ninguém sabia o que fazer.
Meteu polícia, meteu-se a igreja, e por mais inspecções, buscas, rezas e missas, ninguém sabia ou descobria a origem do mal.
-Éramos pobres mas com saúde, sempre fomos assim, e agora andamos todos doentes… como vamos ganhar o pão e a sopa para a família se não podemos trabalhar?... Desabafos destes ouviam-se em todas as aldeias… o pânico e a tristeza espalhava-se!...
Zé da Pilha, rico e de cabeça doente, passeava-se pelas aldeias olhando o horror que tinha provocado, e maquiavélico continuava a pagar e a distribuir notas infectadas de 50Eur, dizendo até aos mais necessitados: -Tomem lá este dinheiro para as vossas necessidades!...
Este horror, esta calamidade, só foi descoberta muito mais tarde por alguns que se aperceberam de que as crianças, os mais novos, não eram infectados!...
Foi o sapateiro Grilo, da Aldeia de Cima, que começou a dar o lamiré à clientela. Vossemecês já repararam que a garotada não têm sido afectados por esta epidemia? Logo o boato se espalhou e as autoridades apercebendo-se do facto meteram «mãos à obra»!
Começaram as investigações pelas três aldeias e de maneira exaustiva e criteriosa chegaram à conclusão que as primeiras pessoas a adoecerem foram os que tinham negócios.
-Estás a pensar o mesmo que eu Manel? -disse um tenente da GNR ao outro. -Acho que sim pá, isto começou pelos comerciantes, portanto, tudo aponta para o dinheiro… e quem tem andado por aí a desbaratar dinheiro à balda?! -Aquele fuinha do Zé da Pilha armado em ricaço, disseram ambos em uníssono!
Sem perderem tempo lá foram a casa do energúmeno, de surpresa.
E lá encontraram tudo: os sapos, as plantas venenosas e o material para misturar o veneno e utensílios utilizados para impregnar as notas com o veneno.
E encontraram também Zé da Pilha deitado na cama doente, a arder de febre e todo borbulhoso, exactamente com os mesmos sintomas que tinha a doença que ele próprio espalhou!
-Este matou-se com a sua própria arma do mal, disse um!
-Há gente que não pode nem sabe ter muito dinheiro, ficam avariados da tola, não sabem o que lhe fazer, e só lhes dá para o mal, disse o outro!


Carlos Reis

Imagem: CCR